DR # 252 Que prioridades: pipeline ou bem-estar social? Impunidade do sector privado e desresponsabilização das funções do estado no caso da Sasol e os reassentamentos provisórios em Inhassoro-Inhambane

Autores: Natacha Bruna, Arlindo Cossa e Júlio Chima

A empresa de extracção de gás natural, Sasol, está no momento a expandir as suas operações na província de Inhambane, incluindo a construção de um pipeline, novos locais de extracção e de uma nova unidade de processamento. Aquando do início da construção das novas linhas do pipeline aproximadamente 50 famílias foram identificadas como estando a residir na área indicada para a construção do mesmo ou em proximidade de risco, e por esses motivos, foram informadas que deveriam ser transferidas para outros locais a indicar. Estas famílias foram informadas que, devido a urgência do projecto, seriam reassentadas de forma temporária, em casas de madeira e zinco, em áreas identificadas pelas mesmas, por um período não superior a 8 meses, enquanto decorre o processo de construção das casas definitivas. Quase um ano depois, o pipeline foi finalizado, mas as famílias continuam a residir nas áreas e casas do reassentamento provisório com reduzido acesso a informação sobre o processo de reassentamento definitivo. Para além da problemática de priorizar a construção de um pipeline em detrimento do bem-estar social, questiona-se também a base legal usada para sustentar este processo de reassentamento provisório no contexto em que o reassentamento resulta de actividades económicas. Da análise preliminar da informação colhida no campo, notou-se que processos desta natureza incrementam o risco para as famílias e intensificam a insegurança e vulnerabilidade socioeconómica das mesmas. Sendo que, o mesmo merece melhorias e maior atenção da empresa e do Governo principalmente em relação a aspectos de participação, consentimento, partilha de informação, responsabilização e sancionamento efectivos, e compensação por danos morais e económicos das famílias afectadas.

Agosto de 2023

DR # 247 Directrizes para um quadro político-legal inclusivo e sustentável: modelo de desenvolvimento pró-pobre, redistributivo e transformativo

Autores: Natacha Bruna, Alberto Tovele, Uacitissa Mandamule, René Machoco, Vanessa Cabanelas, Issufo Tankar, Daniel Ribeiro, Boaventura Monjane e Isidro Macaringue

Depois de sucessivos questionamentos da sociedade civil e academia, e em particular sobre a preocupação expressa sobre a qualidade e metodologia do diagnóstico que guiaram o processo de revisão da Política de 1995, foi aprovada a Política de Terras e sua Estratégia de Implementação (PTEI) em Novembro do ano passado através da Resolução n.º 45/2022, de 28 de Novembro. Subsequentemente, foi partilhado e apresentado o primeiro draft (Draft 0) da nova Lei de Terras no âmbito da II Sessão Ordinária do Grupo de Reflexão do Fórum de Consulta sobre Terras, a qual teve lugar no dia 15 de Junho do corrente ano. Este draft será objecto de consultas públicas a nível nacional e deve, presumidamente, seguir as linhas gerais da Política de Terras recentemente aprovada.

Neste contexto, este texto procura reflectir sobre os maiores constrangimentos na gestão e administração de terra em Moçambique e propor directrizes para um quadro político-legal sobre terras inclusivo e sustentável. Para estipular directrizes para um quadro legal inclusivo e sustentável e que promova um modelo de desenvolvimento rural e crescimento económico inclusivo e sustentável, é necessário conhecer as fraquezas e constrangimentos que se vivem actualmente no sector de terras, sem reservas e sem omissões. É preciso também compreender o contexto sócio económico e ambiental do país, o seu estágio de desenvolvimento e a sua capacidade de implementação de legislações e regulamentos. Foi com base nestes pressupostos que o texto discutiu e propôs algumas directrizes e princípios como forma de contribuir para o actual processo de revisão da Lei. 

Julho de 2023

 DR # 245 Política de Terras 2022 e nova Lei de Terras (Draft 0): que modelo de desenvolvimento se espera promover?

Autores: Natacha Bruna, Alberto Tovele, Uacitissa Mandamule, René Machoco, Vanessa Cabanelas, Issufo Tankar, Daniel Ribeiro, Boaventura Monjane e Isidro Macaringue

No dia 15 de Junho do corrente ano, foi apresentado o primeiro draft (Draft 0) da nova Lei de Terras na da II Sessão Ordinária do Grupo de Reflexão do Fórum de Consulta sobre Terras. É neste contexto que este texto tem como objectivo reflectir sobre o direccionamento do novo quadro político-legal de terras em Moçambique, procurando conjugar os principais constrangimentos que se identificaram no sector de terras em Moçambique e as principais reformas que o novo quadro político-legal sugere. Questiona-se a intensificação da abordagem neoliberal neo-institucionalista das políticas públicas em Moçambique através da PT 2022 aprovada e do último draft da Lei apresentado. A aprovação desta política e o direccionamento da Lei, especificamente em alguns dos seus pontos, pode ser considerada uma contra-reforma. Olhando especificamente para questões ligadas a (1) tornar os títulos de terra transmissíveis onerosamente e (2) estabelecer, de forma massiva, reservas do Estado, apontam para uma tendência de aumentar o poder do Governo/partido no poder sobre a propriedade, controlo e gestão da terra, e, ao mesmo tempo, de facilitar o investimento, secundarizando a segurança de posse de terra das camadas mais pobres. Tendo em conta que a transmissibilidade onerosa da terra (com altos riscos de colaterização da mesma e de venda de terra massiva em tempos de crise) poderá resultar na distribuição mais desigual da terra e em maiores níveis de insegurança de posse de terra. As duas propostas, acima referidas, constituem a combinação adequada para intensificação da mercantilização da natureza e dos recursos naturais e poderão intensificar o modelo de desenvolvimento extractivista já existente.

Junho de 2023

Directrizes Para Um Quadro Político-Legal Sobre Terras Inclusivo e Sustentável: Políticas Redistributivas, Pró-Pobre e Transformativas

Autores: Natacha Bruna, Alberto Tovele, Uacitissa Mandamule, René Machoco, Vanessa Cabanelas, Issufo Tankar, Daniel Ribeiro, Boaventura Monjane, Isidro Macaringue

O colectivo de Organizações que trabalham na área de terras acima descritas lançou o presente estudo com o objectivo de contribuir para o processo de revisão da Lei de Terras. Este estudo identifica os maiores constrangimentos na gestão e administração de terra em Moçambique e propõe directrizes para um quadro legal sobre terras inclusivo e sustentável. Ademais, apresenta recomendações específicas que devem orientar a legislação sobre terras visando a garantia da segurança de posse terra e a promoção de um desenvolvimento rural sustentável.

OR # 136 Penetração de capital no meio rural, exclusão e expropriação: mecanismos de compensação em contexto de desigualdades pré-existentes

Autora: Natacha Bruna

A literatura existente sobre penetração de capital no meio rural centra-se principalmente nos impactos de grandes investimentos na subsistência rural da população afectada como um todo. No entanto, a população afectada não constitui um grupo homogéneo, contém diferenças económicas e sociais que determinam a incorporação e/ou exclusão de diferentes segmentos no processo de desenvolvimento rural promovido por tais investimentos. Portanto, é importante também considerar as desigualdades pré-existentes na medida em que estas podem condicionar e diferenciar as implicações da expropriação de terras e os respectivos impactos dos mecanismos de compensação. Consequentemente, moldam os impactos da penetração do capital no meio rural “experienciados” pelos distintos segmentos da comunidade afectada. Este artigo tem como objectivo explorar esses impactos diferenciados (resultantes da expropriação de terra e de outras perdas incorridas) e explorar a eficácia dos respectivos mecanismos de compensação, considerando as similaridades e diferenças entre os distintos segmentos da população afectada. Tendo como base a experiência de uma empresa de plantação florestais na província da Zambézia, sendo que a compensação da expropriação de terras foi feita através do pacote do plano de desenvolvimento social da empresa e da criação de emprego, esta pesquisa mostra que os mecanismos de compensação não são eficazes e nem estão a melhorar os meios de subsistência de grande parte dos segmentos afectados. Uma vez que as desigualdades pré-existentes não são identificadas e incorporadas no processo de definição e implementação dos mecanismos de compensação, o acesso a benefícios por alguns dos segmentos é desigual e beneficia maioritariamente as elites. Por exemplo, o acesso feminino a essas compensações e outras oportunidades foi limitado, por outras palavras, os agregados familiares chefiados por mulheres estão em maior risco de serem excluídos. Os agregados familiares mais desfavorecidos e sem ligações a elites são, geralmente, adversamente incorporados nos processos de compensação. Nota-se a tendência de os segmentos que abrangem a maioria da população afectada sentirem impactos negativos da expropriação de terras e de ser excluída (ou adversamente incorporada) nos processos de compensação. Este texto sublinha também como a responsabilidade e peso da reprodução social é transferido para, e finalmente transportado pelas, mulheres rurais e camponesas, uma vez que os agregados familiares afectados dependem, cada vez mais, do trabalho produtivo e reprodutivo feminino para sobreviverem ao impacto da expropriação de terra e de outros recursos.

Abril de 2023

DR # 215 Investimentos, género e exclusão no meio rural: mecanismo de compensação em contexto de desigualdades pré-existentes

Autora: Natacha Bruna

A literatura existente centra-se principalmente nos impactos de investimentos na subsistência rural da população afectada como um todo. No entanto, as comunidades afectadas não constituem um grupo homogéneo, contêm diferenças económicas e sociais a ter em conta que determinam a incorporação/exclusão de diferentes grupos no processo de desenvolvimento rural promovido por tais investimentos. Portanto, é importante considerar as estruturas de desigualdades pré-existentes, pois elas condicionam fortemente e diferenciam os resultados da expropriação de terras, os respectivos mecanismos de compensação e moldam os impactos experienciados para cada um dos segmentos da comunidade afectada.

O presente texto reflecte sobre os impactos dos mecanismos de compensação no âmbito da implementação de grandes projectos no meio rural, tendo como caso empírico grandes empresas de plantações florestais, mais especificamente a Portucel Moçambique. No caso da Portucel, os mecanismos de compensação incluem o seu PDSP e o emprego gerado. Diferentes estudos sobre a temática (veja, por exemplo, Bruna, 2017 e Sitoe, 2020) mostram que os mecanismos de compensação não melhoraram os meios de subsistência das famílias rurais afectadas. No entanto, neste texto indica-se que nem todos os segmentos populacionais são impactados da mesma forma, sendo que as desigualdades locais pré-existentes (económicas e de género, mais especificamente) determinam o quão incorporados ou excluídos diferentes segmentos de agregados familiares são no que se refere ao processo de desenvolvimento rural promovido pela empresa. Os camponeses mais pobres (com menos posse de terra e com menos ligações às elites rurais) e as mulheres têm acesso limitado às oportunidades que o projecto promove como acesso a emprego, Plano de Desenvolvimento Social da Portucel (PDSP), entre outros. Nota-se que este problema é mais intensificado para as mulheres chefes de agregados familiares (geralmente viúvas e divorciadas).

Março de 2023

DR # 212 Ouro invisível: o carbono e a usurpação de direitos de emissão

Autora: Natacha Bruna

O carbono, o ouro invisível, é a commodity do futuro, mas há que referir que o esforço para compensar pelas emissões têm implicado, da mesma forma que projectos extractivistas no sector da agricultura,  a expropriação de terra e de recursos, mas, no caso específico da extracção de carbono, a expropriação tem uma abrangência maior. Ou seja, os camponeses perdem o direito de fazer uso da biodiversidade para a sua própria subsistência e perdem o seu direito de emissão de carbono (ou ficam privados de emitir) para permitir que os compradores dos créditos de carbono obtenham um direito de maior emissão.

Existem ainda muitas áreas cinzentas e discussões sobre os direitos de propriedade do carbono. Alguns estudos, indicam que a captura de carbono carece de legislação específica e que a legislação existente sem especificidades não providencia base legal suficiente para regulamentar estas transacções. Sendo o “carbono” , um gás, um recurso invisível, capturado ou reduzido por mudanças de modos de vida de actores locais (comunidades, entre outros), a quem pertence este recurso intangível? Quem deve vender e negociar o seu preço? Será prudente deixar que o “mercado” e a sua “mão invisível” respondam a estas questões?

A conclusão a que se chega é a existência de uma potencial precipitação institucional e administrativa em “vender” mais um recurso sem reflectir e analisar as suas implicações a curto, médio e longo prazos, a nível económico, social, legal e ambiental. 

Março de 2023

OR #128 Variações do extractivismo em Moçambique: um mundo inteligente ao clima e a emergência do extractivismo verde

Autora: Natacha Bruna

Resumo:

As implicações das políticas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas exigem que analisemos tendências para além do extractivismo orientado à eficiência e analisemos, de forma aprofundada, os impactos das chamadas “políticas verdes” ou inteligentes ao clima. Esta pesquisa visa explorar e fortalecer, teórica e empiricamente, a literatura de estudos agrários críticos na intersecção existente entre o extractivismo e as políticas verdes, com o objectivo de compreender como as relações socioeconómicas e ecológicas emergentes se desdobram; e, em última análise, compreender as implicações para a subsistência rural. Compreende-se que a implementação destas políticas em Moçambique tem resultado no surgimento do “extractivismo verde”, que constitui uma variação do extractivismo que se baseia na extracção, expropriação e transferência de direitos de emissão de populações rurais, seguida da transformação destes direitos em créditos de carbono a favor da acumulação de capital por diferentes grupos de actores externos que fazem uso destes (empresas de verificação, medição e certificação de créditos de carbono, países industrializados e indústrias poluentes). Os direitos de emissão constituem a faculdade e possibilidade de usar e beneficiar legitimamente de activos/recursos ecológicos. Assim, em contextos de extractivismo verde, a população rural afectada pelos programas de captação de carbono são privadas de recursos florestais determinantes para sua reprodução social, assim como do seu direito de emitir. O extractivismo verde intensificará o carácter extractivista do modelo de desenvolvimento de Moçambique. Com a criação e extracção de uma nova commodity – direitos de emissão – o extractivismo verde também envolve processos que alimentam o mercado internacional, respondem a interesses internacionais de solucionar a crise climática, mas deixa ficar nos países hospedeiros uma série de implicações socioeconómicas negativas e adversas à subsistência rural, mas também ao modelo de desenvolvimento do país como um todo. 

OR #125- Terra da abundância, terra da miséria: usurpação sinergística de recursos em Massingir

Autora: Natacha Bruna

Massingir é uma área com elevado potencial no que diz respeito à terra, fontes de água e à biodiversidade, com grande possibilidade de responder às actuais crises globais. Recentemente, hospedou uma série de projectos incluindo de biocombustível (etanol), reabilitação da barragem (para produção de energia e irrigação) e a reconstituição de uma área de conservação/turismo (o Parque Nacional do Limpopo); todos eles respondendo a preocupações ambientais globais e, ao mesmo tempo, a objectivos económicos. Deste modo, a crise ambiental não deve ser encarada como um fenómeno isolado nas dinâmicas actuais de acumulação de capital. Pelo contrário, uma característica muito distinta das dinâmicas de procura de terras na actualidade é a convergência de múltiplas crises, incluindo a alimentar, energética, ambiental e financeira. O caso de Massingir ilustra como a usurpação de recursos pode, na base de criação de sinergias, responder à convergência de múltiplas crises. Ao analisar as dinâmicas de mudança no uso, alocação e posse de terra, é possível compreender como os meios de subsistência rurais são moldados e afectados. Os riscos relacionados com a segurança e a soberania alimentares, a perda de controlo do acesso aos recursos, a redução consistente do conjunto de estratégias de subsistência e os conflitos intercomunitários sobre recursos escassos, são as principais implicações de implementação de políticas “inteligentes ao clima”. Em conclusão, a implementação das políticas de mitigação e adaptação às alterações climáticas tem se tornado a nova força motriz da usurpação de recursos no contexto de “disputa de recursos”.

DR #174 -Revisão da Lei de florestas e do quadro legal sobre terras: intensificação da mercantilização extractivista dos recursos naturais com base no aumento de poderes governativos

Autores: Natacha Bruna, Máriam Abbas, Alberto Tovele, Nehemias Lasse

Estão em curso as revisões dos quadros legais sobre Florestas e Fauna bravia (Lei n.º 10/99, de 07 de Julho) e a Política Nacional de Terras (PNT), sendo ambas de grande interesse e impacto para gestão de recursos naturais e para o desenvolvimento rural. Este documento procura compreender, de forma holística, o direccionamento destas revisões e os riscos socioeconómicos que poderão resultar das mesmas. O texto procura também perceber o horizonte temporal em que estas revisões se enquadram, de forma a reflectir sobre o possível impacto no desenho de estratégias de governação a longo prazo, com atenção particular para as questões e discursos de descentralização.

Com base nas breves reflexões apresentadas, nota-se que existe um direccionamento mercantilista e extractivista do quadro legal referente a terras e florestas, com potenciais riscos sociais elevados, como a expropriação massiva de recursos, subsistência rural negativamente diminuída, restrição do acesso aos recursos florestais, diminuído o acesso a terra de qualidade, insegurança de posse de terra, entre outros.

Em paralelo, potencialmente, poder-se-á verificar maior reforço do centralismo que já caracteriza a administração do Estado em Moçambique. E estas revisões, podem constituir ferramentas para a manutenção do poder pelo partido no poder e podem, também, constituir estratégias para superar a crescente ameaça de perda de suporte e popularidade deste mesmo partido em zonas rurais de alto potencial de recursos naturais

Junho de 2022

Verified by MonsterInsights