DR # 212 Ouro invisível: o carbono e a usurpação de direitos de emissão

Autora: Natacha Bruna

O carbono, o ouro invisível, é a commodity do futuro, mas há que referir que o esforço para compensar pelas emissões têm implicado, da mesma forma que projectos extractivistas no sector da agricultura,  a expropriação de terra e de recursos, mas, no caso específico da extracção de carbono, a expropriação tem uma abrangência maior. Ou seja, os camponeses perdem o direito de fazer uso da biodiversidade para a sua própria subsistência e perdem o seu direito de emissão de carbono (ou ficam privados de emitir) para permitir que os compradores dos créditos de carbono obtenham um direito de maior emissão.

Existem ainda muitas áreas cinzentas e discussões sobre os direitos de propriedade do carbono. Alguns estudos, indicam que a captura de carbono carece de legislação específica e que a legislação existente sem especificidades não providencia base legal suficiente para regulamentar estas transacções. Sendo o “carbono” , um gás, um recurso invisível, capturado ou reduzido por mudanças de modos de vida de actores locais (comunidades, entre outros), a quem pertence este recurso intangível? Quem deve vender e negociar o seu preço? Será prudente deixar que o “mercado” e a sua “mão invisível” respondam a estas questões?

A conclusão a que se chega é a existência de uma potencial precipitação institucional e administrativa em “vender” mais um recurso sem reflectir e analisar as suas implicações a curto, médio e longo prazos, a nível económico, social, legal e ambiental. 

Março de 2023

OR #128 Variações do extractivismo em Moçambique: um mundo inteligente ao clima e a emergência do extractivismo verde

Autora: Natacha Bruna

Resumo:

As implicações das políticas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas exigem que analisemos tendências para além do extractivismo orientado à eficiência e analisemos, de forma aprofundada, os impactos das chamadas “políticas verdes” ou inteligentes ao clima. Esta pesquisa visa explorar e fortalecer, teórica e empiricamente, a literatura de estudos agrários críticos na intersecção existente entre o extractivismo e as políticas verdes, com o objectivo de compreender como as relações socioeconómicas e ecológicas emergentes se desdobram; e, em última análise, compreender as implicações para a subsistência rural. Compreende-se que a implementação destas políticas em Moçambique tem resultado no surgimento do “extractivismo verde”, que constitui uma variação do extractivismo que se baseia na extracção, expropriação e transferência de direitos de emissão de populações rurais, seguida da transformação destes direitos em créditos de carbono a favor da acumulação de capital por diferentes grupos de actores externos que fazem uso destes (empresas de verificação, medição e certificação de créditos de carbono, países industrializados e indústrias poluentes). Os direitos de emissão constituem a faculdade e possibilidade de usar e beneficiar legitimamente de activos/recursos ecológicos. Assim, em contextos de extractivismo verde, a população rural afectada pelos programas de captação de carbono são privadas de recursos florestais determinantes para sua reprodução social, assim como do seu direito de emitir. O extractivismo verde intensificará o carácter extractivista do modelo de desenvolvimento de Moçambique. Com a criação e extracção de uma nova commodity – direitos de emissão – o extractivismo verde também envolve processos que alimentam o mercado internacional, respondem a interesses internacionais de solucionar a crise climática, mas deixa ficar nos países hospedeiros uma série de implicações socioeconómicas negativas e adversas à subsistência rural, mas também ao modelo de desenvolvimento do país como um todo. 

OR #125- Terra da abundância, terra da miséria: usurpação sinergística de recursos em Massingir

Autora: Natacha Bruna

Massingir é uma área com elevado potencial no que diz respeito à terra, fontes de água e à biodiversidade, com grande possibilidade de responder às actuais crises globais. Recentemente, hospedou uma série de projectos incluindo de biocombustível (etanol), reabilitação da barragem (para produção de energia e irrigação) e a reconstituição de uma área de conservação/turismo (o Parque Nacional do Limpopo); todos eles respondendo a preocupações ambientais globais e, ao mesmo tempo, a objectivos económicos. Deste modo, a crise ambiental não deve ser encarada como um fenómeno isolado nas dinâmicas actuais de acumulação de capital. Pelo contrário, uma característica muito distinta das dinâmicas de procura de terras na actualidade é a convergência de múltiplas crises, incluindo a alimentar, energética, ambiental e financeira. O caso de Massingir ilustra como a usurpação de recursos pode, na base de criação de sinergias, responder à convergência de múltiplas crises. Ao analisar as dinâmicas de mudança no uso, alocação e posse de terra, é possível compreender como os meios de subsistência rurais são moldados e afectados. Os riscos relacionados com a segurança e a soberania alimentares, a perda de controlo do acesso aos recursos, a redução consistente do conjunto de estratégias de subsistência e os conflitos intercomunitários sobre recursos escassos, são as principais implicações de implementação de políticas “inteligentes ao clima”. Em conclusão, a implementação das políticas de mitigação e adaptação às alterações climáticas tem se tornado a nova força motriz da usurpação de recursos no contexto de “disputa de recursos”.

DR #174 -Revisão da Lei de florestas e do quadro legal sobre terras: intensificação da mercantilização extractivista dos recursos naturais com base no aumento de poderes governativos

Autores: Natacha Bruna, Máriam Abbas, Alberto Tovele, Nehemias Lasse

Estão em curso as revisões dos quadros legais sobre Florestas e Fauna bravia (Lei n.º 10/99, de 07 de Julho) e a Política Nacional de Terras (PNT), sendo ambas de grande interesse e impacto para gestão de recursos naturais e para o desenvolvimento rural. Este documento procura compreender, de forma holística, o direccionamento destas revisões e os riscos socioeconómicos que poderão resultar das mesmas. O texto procura também perceber o horizonte temporal em que estas revisões se enquadram, de forma a reflectir sobre o possível impacto no desenho de estratégias de governação a longo prazo, com atenção particular para as questões e discursos de descentralização.

Com base nas breves reflexões apresentadas, nota-se que existe um direccionamento mercantilista e extractivista do quadro legal referente a terras e florestas, com potenciais riscos sociais elevados, como a expropriação massiva de recursos, subsistência rural negativamente diminuída, restrição do acesso aos recursos florestais, diminuído o acesso a terra de qualidade, insegurança de posse de terra, entre outros.

Em paralelo, potencialmente, poder-se-á verificar maior reforço do centralismo que já caracteriza a administração do Estado em Moçambique. E estas revisões, podem constituir ferramentas para a manutenção do poder pelo partido no poder e podem, também, constituir estratégias para superar a crescente ameaça de perda de suporte e popularidade deste mesmo partido em zonas rurais de alto potencial de recursos naturais

Junho de 2022

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    Natacha Bruna

    Doutora em Estudos de Desenvolvimento, com enfoque em Economia Política de
    Recursos Naturais, Terra, Ambiente e População pelo International Institute of Social
    Studies em Haia, Holanda – Erasmus University Rotterdam.

    DR #157 – Lei de Terras: Progressismo corrompido pelo Estado. Que lições para a revisão da Política Nacional de Terras?

    Autores:Natacha Bruna
    A Lei de Terras de 1997 é considerada, nacional e internacionalmente, como sendo das mais progressistas do mundo principalmente pelo facto de a terra ser propriedade do Estado, e ainda por reconhecer os direitos consuetudinários (por exemplo MTA, 2021; Borras et al, 2011; Mandamule, 2017; Macaringue, 2021, entre muitos outros). Reflexões iniciais ao ante-projecto da nova PNT indicam que esta revisão visa dar mais poder e controle ao Estado em relação à terra, na medida em que, se alocarão, de forma alargada, áreas de domínio do Estado e/ou indicadas como “Reservas do Estado”. Indica também, que o quadro jurídico legal deve ser atractivo ao investimento assim como criar facilidades legais para o acesso à terra para os investidores (Ante-projecto da PNT, 2022).

    Este texto procura desconstruir a noção de que se pode considerar uma legislação progressista desconectando-a da natureza das instituições que a regem, pois, em contexto como Moçambique, esta legislação corre o risco de ser usada como instrumento de elites articuladas com o capital, e ter o efeito contrário ao dito progressismo da Lei. Neste contexto, não é prematuro concluir que a revisão da Lei de Terras não irá resolver os problemas de gestão e administração de terras e de fazer cumprir as linhas “progressistas” da Lei de Terras em Moçambique, por mais competente que esta revisão seja. Se o problema está nas instituições capturadas e corruptas a diferentes níveis de governação, qualquer reforma será ineficaz e não concretizada (ou igualmente “desviada”). Isto significa que, sem haver mudanças neste sistema, a terra continuará sob gestão de um aparelho de Estado que manipula a Lei de Terras para acomodar interesses de minorias que sistematicamente resultam em problemas sociais e intensificação de pobreza, externalidades ambientais e ineficiência no uso da terra.
    Data :Março de 2022

    DR #155 – Reflexões sobre o processo de Revisão da Política Nacional de Terras: Processo e qualidade do diagnóstico

    Autores:Natacha Bruna, Issufo Tankar, Marisa Balas,
    Elísio Jossias e Alda Salomão
    O processo de revisão da Política Nacional de Terras (PNT), que formalmente iniciou no ano 2017, foi orientado por uma metodologia que previa, entre outros aspectos: (i) um processo de revisão de literatura; e, (ii) um processo de auscultação pública transparente, participativa e inclusiva. Estes dois processos serviriam de base para a elaboração de um diagnóstico do grau de implementação da PNT de 1995 que indicasse claramente quais os constrangimentos na gestão e administração de terras assim como as lacunas a serem consideradas no processo de revisão.

    Da breve análise feita ao processo foi possível apontar vários atropelos de natureza metodológica, sobretudo na participação pública, que põem em causa a qualidade e o rigor da nova PNT, desde o processo de auscultação ao processo de elaboração do diagnóstico e, consequentemente, o processo de elaboração da nova PNT.

    É nosso entendimento que um documento de diagnóstico produzido com base numa metodologia problemática terá potencialmente resultados e conclusões enviesadas. Sem um diagnostico sólido, a Política Nacional de Terras que daí resultar terá uma qualidade questionável, dificilmente poderá reflectir as aspirações e interesses de todos os moçambicanos, e terá sido adoptada em contradição com as três directrizes estabelecidas pelo próprio Presidente da República aquando do lançamento deste processo de revisão.
    Data :Fevereiro de 2022

    DR #132 – Um primeiro olhar às auscultações da revisão da Política Nacional de Terras: Meio caminho andado para a invalidação?

    Autores:Natacha Bruna
    O presente documento tem como objectivo contribuir para o debate à volta da revisão da PNT, focando-se especificamente na questão da participação pública e o processo de auscultação, como elemento importante para que se assegure o desenvolvimento sustentável, inclusivo e com equidade social e territorial do país. Experiências já mostraram o quanto a exclusão de pessoas dos processos decisórios teve repercussões adversas no desenvolvimento económico e social local. Para além de alguma falta de transparência em termos de metodologia de cálculo da amostra e de selecção dos elementos da amostra, foram identificados também erros de recolha de informação e de construção de questões, com alto potencial de risco de obter resultados de análises estatísticas enviesados.

    Um processo de auscultação participativa e democrática, entre outros factores, pressupõe: (1) Relação horizontal ao invés de top-down; (2) Simetria de informação; (3) Liberdade de expressão; (4) Imparcialidade; (5) Interacção e retroalimentação; (6) Representação e inclusividade. É de realçar que este processo de auscultação difere dos restantes na medida em que o nível de disponibilização de informação e contacto com os auscultados é maior, porém insuficiente.

    No entanto, a realidade observada no processo de auscultação e as metodologias que o guiam põem em causa a sua legitimidade e validade. Questiona-se o rigor e valor estatístico e com alto potencial de apresentar resultados enviesados que não representam a realidade: os interesses e pontos de vista colectivos dos auscultados. Neste contexto, dificilmente se refutaria a hipótese de que o processo de auscultação constitui apenas um instrumento para legitimar objectivos pré-definidos. Sendo assim, que, pelo menos, não se afirme que este processo tem sido “transparente, inclusivo, participativo e democrático”, porque não o foi.
    Data :Agosto de 2021

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