Autores: João Feijó e Rita Chiúre
Os cidadãos moçambicanos enfrentam obstáculos ao exercício da cidadania, relacionados com dificuldades de acesso à informação, fragilidade financeira ou obstáculos burocráticos para a constituição de associações, mas também com a proibição violenta de manifestações públicas e incómodas ao partido no poder. A grande oportunidade de participação formal dos cidadãos é remetida para os escrutínios eleitorais, realizados a cada 5 anos, nos quais os cidadãos depositam expectativas de expressão do seu descontentamento social relativamente à pobreza e carestia de vida ou a escândalos de governação. Porém, a descredibilidade desses escrutínios eleitorais aumenta a frustração da população, sobretudo nas áreas de maior influência da oposição.
Face à partidarização das instituições e à ineficiência dos mecanismos formais de protesto, o líder da oposição incentivou a descentralização dos protestos, transferindo a iniciativa para as populações. Formaram-se movimentos sociais orgânicos, com agendas nem sempre claras, mas que ensaiaram as formas de luta política, com recurso aos meios disponíveis. Este empreendedorismo do protesto despoletou um repertório de acções de contestação, que oscilaram da desobediência civil e bloqueio de estradas, mensagens de protesto (por vezes mais elaboradas e criativas, outras vezes meramente ruidosas), paralisações laborais, destruição de símbolos do partido no poder e ataques a infra-estruturas públicas e ao poder do Estado. Num ambiente de precariedade social, desigualdades e oportunismo generalizado, o acentuar dos protestos conduziu a acções de ocupação e pilhagem de propriedade privada.
Os comportamentos prejudiciais e humilhantes aos quais muitos indivíduos se sujeitaram (marchar nus, enfrentar as balas da polícia ou interrupção de actividades de rendimento) foram ilustrativos do sentimento de desespero e de indignação. O país assistiu a um estado de psicose colectiva, geradora de excessos, com profundo impacto no tecido social, mas que traduziram a emergência de uma cultura política mais assertiva e contestatária.
Os protestos assumiram dimensões mais violentas, particularmente dirigidas a grupos específicos, entre os quais os simpatizantes do partido Frelimo e respectivo património, agentes da polícia (entendidos como carrascos do povo), mas também contra instituições do Estado, consideradas ineficientes e partidarizadas. Os protestos visaram grandes unidades económicas, nomeadamente empresas mineiras e grandes armazéns, interesses económicos da numenklatura e organizações não-humanitárias.
Um problema político e social não pode ser gerido como se de um problema de segurança se tratasse, pelo que se torna fundamental o alargamento de mecanismos de participação e de escape social, incluindo a transparência e a justiça eleitoral.
Maio de 2025