Autora: Uacitissa Mandamule
Este documento incide sobre o que foi considerado um dos maiores desastres na história de Moçambique: o ciclone Idai e as inundações que se seguiram em Março de 2019. Recorrendo a uma combinação de diferentes métodos (entrevistas, observações, análise de documentos e relatórios, mapeamento, etc.), procurámos compreender as representações e práticas em torno da deslocação de pessoas, a lógica subjacente às políticas públicas de reassentamento fora da planície de inundação e em que medida essas políticas estão alinhadas com as necessidades das pessoas afectadas.
A pesquisa realizada no distrito de Búzi, província de Sofala, mostra que, por detrás da retórica de garantir a segurança das populações que vivem nas planícies aluviais, o reassentamento pode ter outros objectivos, tais como o controlo de um território, a reconquista do eleitorado numa zona de oposição, o reforço do domínio autoritário do Estado sobre a população ou o aproveitamento dos recursos provenientes da ajuda humanitária. Na tentativa de controlar as pessoas e o território, são instaurados “dispositivos de biopoder” nos centros de reassentamentos para limitar o regresso às zonas de origem, consideradas “de risco”, e sancionar os agregados “circulantes”. Desprovidos de recursos financeiros e de alimentos após o desastre, “impossibilitados” de se deslocarem para cultivar ou exercer uma actividade remunerada nas zonas de origem – por receio de serem retirados das listas de “beneficiários” da ajuda alimentar, os reassentados debatem-se, em muitas ocasiões, com sérios problemas de (in)segurança alimentar. Este trabalho sugere que se repensem as respostas aos desastres ditos “naturais”, que se tornarão mais frequentes, de modo que as práticas, as necessidades e as aspirações das pessoas que vivem nas zonas afectadas sejam melhor consideradas.