OR # 154 O debate sobre a descentralização em Moçambique (English version available)

Autor: Brian Norris

A descentralização política nas regiões em desenvolvimento de África e da América Latina tem recebido muita atenção académica desde a década de 1990, um período que marcou um ponto de viragem para a terceira vaga de expansão democrática global. Moçambique iniciou reformas de descentralização na década de 1990 e os analistas documentaram as suas reformas e debates sobre a descentralização. Ao contrário de alguns países da América Latina, onde a descentralização política foi realizada de forma rápida e profunda nas décadas de 1980 e 1990, a abordagem de Moçambique à descentralização tem sido de ‘gradualismo’. O debate sobre a descentralização em Moçambique continua a ser central na política de elite do país actualmente. Embora os analistas da descentralização em Moçambique tenham aumentado o nosso conhecimento do tópico, as suas análises têm lacunas que este artigo tenta resolver. Primeiro, as análises existentes têm afirmado o ‘gradualismo’ da descentralização moçambicana sem colocar os esforços de reforma do país num contexto comparativo adequado com outras regiões. Os analistas têm razão em afirmar o gradualismo moçambicano, mas as suas conclusões vão para além dos dados do único caso que apresentam. Este artigo apresenta dados comparativos que apoiam a percepção existente da descentralização moçambicana como ‘gradual’. Em segundo lugar, as análises existentes não explicam adequadamente porque é que Moçambique adoptou uma abordagem gradualista. Os analistas ou retractam o gradualismo como uma abordagem casual baseada em decisões políticas tomadas há muito tempo, ou aceitam demasiado facilmente o argumento da Frelimo de que ‘as condições ainda não estão presentes’ nos dois terços dos distritos moçambicanos, maioritariamente rurais, que não têm representação eleita no governo local. Para melhor compreender as razões do gradualismo moçambicano na descentralização e a possibilidade de uma maior descentralização no futuro, devemos saber mais sobre as condições nestas áreas rurais, e a análise deve ser melhor fundamentada em constatações teóricas e empíricas sobre a relação entre o desenvolvimento político institucional urbano e o rural. Respondendo à primeira necessidade, este artigo relata as condições do governo local em quatro locais de campo rurais em Moçambique que são representativos de distritos nacionais sem oficiais eleitos. Estas observações baseiam-se em quatro meses de trabalho de campo em Moçambique em 2018 e 2023 e em cerca de 120 entrevistas e vários grupos focais. Os antropólogos apresentaram descrições  valiosas da sociedade rural em Moçambique, mas estas análises não são adequadas para formular juízos analíticos sobre o desenvolvimento das instituições políticas. Este artigo argumenta que as condições nos locais de campo rurais de Moçambique são semelhantes às das áreas rurais na América Latina que beneficiaram de reformas de descentralização nas décadas de 1980 e 1990, e que esses locais são, de facto, capazes de gerir e beneficiar de reformas semelhantes, particularmente se considerarmos o seu desenvolvimento e consolidação institucional ao longo de décadas – e não apenas anos – após as reformas. A Frelimo provavelmente compreende que, a longo prazo, a descentralização pode proporcionar melhores serviços públicos nas áreas rurais onde o partido actualmente nomeia os oficiais. Contudo, tem atrasado as reformas de descentralização porque receia que a perda de controlo das áreas rurais possa contribuir para um movimento político nacional que possa quebrar o sistema partido-Estado que construiu desde 1975 e desalojar o seu actual controlo do poder nacional. Os seus receios não são infundados.

ABSTRACT:

Political decentralisation in the developing regions of Africa and Latin America has received much scholarly attention since the 1990s, a period which marked a watershed for the third wave of global democratic expansion. Mozambique embarked on decentralisation reforms in the 1990s, and analysts have documented its decentralisation reforms and debates. Unlike some Latin American countries, where political decentralisation was accomplished swiftly and deeply in the 1980s and 1990s, Mozambique’s approach to decentralisation has been one of ‘gradualism.’ The debate about decentralisation in Mozambique remains central in elite politics in the country today. While analysts of decentralisation in Mozambique have increased our knowledge of the topic, their analyses have deficiencies which this article attempts to address. First, existing analyses have asserted ‘gradualism’ of Mozambican decentralisation without putting the country’s reform efforts into proper comparative context with other regions. Analysts are right to assert Mozambican gradualism, but their conclusions go beyond the data of the single case they submit. This article presents comparative data that support the existing perception of Mozambican decentralisation as ‘gradual.’ Second, existing analyses do not adequately explain why Mozambique has pursued a gradualist approach. Analysts either portray gradualism as a happenstance approach based on political decisions made long ago, or they too easily accept Frelimo’s argument that ‘conditions are not yet present’ in the two-thirds of mostly rural Mozambican districts that have no elected representation in local government. To better understand the reasons for Mozambican gradualism in decentralisation and the possibility for greater decentralisation in the future, we need to know more about conditions in these rural areas, and analysis needs to be better grounded in theoretical and empirical findings on the relationship between urban and rural political institutional development. Responding to the former need, this article reports the conditions of local government in four rural field sites in Mozambique that are representative of nationwide districts without elected officials. These observations are based on four months of fieldwork in Mozambique in 2018 and 2023 and about 120 interviews and several focus groups. Anthropologists have provided us with empirical descriptions of rural society in Mozambique, but these analyses are not suited to providing analytical judgments on the development of political institutions because they lack theoretical grounding in political science concepts. This article argues that conditions in rural field sites of Mozambique are similar to those of rural areas in Latin America that benefited from decentralisation reforms in the 1980s and 1990s, and that such sites are in fact capable of managing and benefiting from similar reforms, particularly if one considers their institutional development and consolidation over decades—not mere years—after reforms. Frelimo likely understands that over the long run, decentralisation can provide better public services in rural areas where the party currently appoints officials. Nonetheless, it has slow-walked decentralisation reforms because it fears that losing control of rural areas could contribute to a national political movement that could break the party-state system it has built since 1975 and dislodge its current grip on national power. Its fears are not unfounded.

Março de 2025

Mês

Março

Ano

2025

Verified by MonsterInsights